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Vedānta para quê?

Vedānta pra quê?

Sabemos que os benefícios físicos e mentais gerados pelas práticas de yoga transcendem dogmas religiosos, disputas filosóficas ou quaisquer outras divergências de visão de mundo que as pessoas possam ter. Quem frequenta escolas de yoga sabe como é comum ver, saindo da sala de prática com o mesmo ar de satisfação natural estampado no rosto sereno, pessoas dos mais variados tipos – cristãos, ateus fanáticos, empresários, senhoras aposentadas, esquerdistas-caviar, coxinhas-opressores, jovens desvairados, idosos carentes…

Por algumas horas – o quanto dure os efeitos psicofísicos da prática – elas abrem mão da cartilha que rege as suas aborrecidas personas e tornam-se gente de novo – pessoas renovadas, simples e felizes. O yoga tem esse poder.

Estas férias de si mesmo, se podemos chamar assim, não são, contudo, eternas. Passada a enxurrada de endorfinas, serotoninas e dopaminas nas sinapses nervosas – produzida por compressões e distensões de glândulas, relaxamento de tensões musculares, aumento de oxigenação, etc., etc. – o praticante é levado de volta ao status quo usual, não sem ansiar pela próxima prática.

Frequentemente, a paixão pelo bem-estar trazido pelo yoga traz às pessoas o natural desejo de estreitar os laços com essa prática, e elas passam a praticar com afinco, diariamente, tornam-se vegetarianas, fazem cursos de capacitação e, eventualmente, tornam-se até professores.

As companhias e hábitos, fatalmente, mudam. É difícil ser vegetariano, abstêmio e continuar frequentando o churrasco da “galera”. É desagradável conviver com os pais, irmãos, tios e primos profanando a nossa aura – ungida por tantas horas de asanas, pranayamas, kriyas e meditações ao som de mantras – com suas “bad vibes” mundanas, discussões políticas e piadinhas grosseiras. Horrível, na verdade, é reconhecer os nossos velhos padrões emocionais vindo à tona em todas essas situações.

É apenas natural, então, que busquemos harmonizar tudo com nosso novo estilo de vida. O yoga torna-se a própria vida. Ironicamente, entretanto, aquilo que inicialmente buscávamos – a pessoa simples e feliz depois das práticas, livre do emaranhado dos papéis que desempenhamos na sociedade – é lentamente substituída por uma nova persona, com sua própria cartilha, ao seu modo, igualmente opressora: a persona do yogi.

Infelizmente ou não, a vida está desenhada de tal modo que não é possível fazer das férias um meio de vida. A diversão (do latim di-vertere, “virar para outro lado”) só é logicamente possível como uma breve escapadela de uma caminho – mais ou menos cansativo e enfadonho – de não-diversão, de trabalho.

Sei que não é auspicioso ser o portador de más notícias, mas alguém tem que dizer: a pessoa simples e feliz das práticas de yoga não pode ser padronizada, produzida em série, metodicamente, dia após dia, através de práticas cada vez mais “fortes” de yoga. O frescor que você experimentava na sua lua de mel com o yoga – que pode até durar muitos e muitos anos – era causado pelo contraste com o resto da sua vida estressante, que ocupava a maior parte do tempo. Uma vez que você tenha adquirido os recursos para pacificar um tanto desse stress – um grande mérito da prática de yoga – um novo caminho se abre na sua frente, e não é um caminho de mais e mais práticas. É provável que haja outros nomes para ele, mas nós o chamamos de vedānta.

O estudo de vedānta nos dá as ferramentas cognitivas para o reconhecimento da pessoa fundamental  (aquela mesma, tão querida, das práticas de yoga) sem que seja necessário, para isso, a produção de uma situação ideal – uma experiência arrebatadora, a ausência de pensamentos, um cheirinho gostoso de incenso ou qualquer coisa do tipo.

Assim como o ator reconhece a si mesmo como alguém completamente livre dos problemas dos papéis que representa – não havendo, para tanto, a necessidade de uma pausa na atuação e nem mesmo de uma melhoria de situação dos personagens –, da mesma forma é possível um acesso cognitivo permanente à pessoa simples e feliz, que outrora só encontrávamos esporadicamente, através de experiências produzidas por uma misteriosa combinação de esforço e sorte.

É claro que, dito dessa forma, isso fica como uma promessa. Mas não é uma promessa insensata. Afinal, se, neste exato momento, apesar de todos os intermináveis e insolúveis problemas da vida, você pode, de repente, ouvir uma piada e dar aquela risada gostosa e reconfortante, sem precisar resolver nem um único dos seus problemas, então você é livre deles.

Como? Bem, a explicação, tintim por tintim, não cabe em um artigo, nem em dois. Para isso se faz necessário o estudo tradicional de vedānta. Se essa introdução ao tema fez sentido para você, faço minhas as palavras do sábio Vyāsa: “Athāto brahmajijñāsā – Agora, o estudo sobre o ilimitado [começa]”.

3 respostas em “Vedānta para quê?”

Vejo que os papéis desenpenhamos por nós, e por serem extremamente ligados a nossos egos, talvez seja a principal tendência humana negativa e que nos limita a avançarmos no autoconhecimento. Gratidão por esse aprendizado.

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