“Que há num nome?” – pergunta Julieta para Romeu. “O que chamamos rosa não teria, com outro nome, igual perfume?”
Esta famosa citação de Shakespeare é sempre lembrada quando queremos dar a entender que o nome de uma coisa não afeta em nada o modo como ela é, as suas características reais. Seja como for, o grande mestre de Vedānta Śrī Śaṅkara não poderia ter tido nome mais relevante, que melhor indicasse aquilo mesmo que ele foi em vida.
Śaṅkara significa, em sânscrito, “Benfeitor” (“śaṃ karoti iti śaṅkaraḥ – aquele que faz o bem é chamado Śaṅkara”). É dito que na época do seu nascimento o sentido espiritual mais elevado dos Vedas estava perdido em um ritualismo mecânico e vazio, o que, por sua vez, estava levando muita gente a abandonar a cultura védica para abraçar outros modos de vida mais significativos.
Tanto em seus comentários escritos sobre os principais textos védicos quanto nos célebres debates com opositores que teve nas suas excursões pela Índia, Śaṅkara esclareceu para além de qualquer disputa a verdadeira natureza da liberação, mokṣa, a qual muitos líderes espirituais da época (védicos e também budistas, dentre outros) estavam tratando como se fosse o resultado de uma ação, algo a ser alcançado por meio de práticas ritualísticas, meditativas ou por uma combinação das duas.
Qualquer coisa que seja produzida por uma ação, por um esforço, vem à existência em um dado momento e deixa de existir assim que as causas que a produziram percam o ímpeto, o vigor. Os rituais e meditações prescritos pelo Veda (ou por qualquer outra fonte espiritual), sendo ações (a meditação é uma ação mental), só podem produzir resultados limitados e nunca a liberação definitiva do sofrimento – a imortalidade falada pelas escrituras.
O eterno, aquilo que é livre de limitação – isso que todos buscamos como o objetivo maior da nossa vida – não pode ser o resultado de uma ação nem de uma combinação de ações, por mais grandiosas que sejam, pois o eterno, se existe, já existe agora, neste exato momento. E se algo já existe mas é procurado como se não estivesse presente, então não precisamos fazer nada além de remover a ignorância que está encobrindo nosso reconhecimento daquela existência. Portanto, o meio para a imortalidade, a liberação, mokṣa, não é a ação (karma) mas unicamente o conhecimento (jñāna).
Isso não significa – provou Śaṅkara reiteradamente através da citação de passagens de todas as escrituras acompanhada de uma lógica rigorosa – que os rituais e meditações (karmas) prescritos pelo Veda sejam inúteis para a liberação porque, feitas com a atitude de yoga (karma-yoga), esses mesmos rituais e meditações livram a mente da tirania dos gostos e aversões para que o autoconhecimento – adquirido pelo estudo das escrituras contidas na parte final do Veda (Vedānta) – seja devidamente assimilado.
Assim, pondo cada coisa no seu devido lugar (restabelecendo o dharma, no jargão Védico), Śrī Śaṅkarācārya reintegrou a cultura Védica na totalidade da sua grandeza e, assim, fez o que anunciava a profecia do seu nome: trouxe o bem, a possibilidade da libertação para todos nós, que hoje podemos estudar com um professor tradicional cada linha dos seus preciosos comentários e entender que, para além do tempo, do espaço e da cultura a qual pertencemos, somos de fato a consciência que é a causa do universo, eternamente livres de qualquer mal.
sadāśivasamāraṃbhāṃ śaṃkarācāryamadhyamām।
asmadācāryaparyantāṃ vande guruparaṃparām।।
Eu saúdo a linhagem de professores que começa com Sadāśiva, passa por Śaṅkarācārya e termina no meu professor.
Hariḥ om.
30/04/2017
Publicado em homenagem ao aniversário de Śrī Ādi Śaṅkarācārya.
5 respostas em “Shankara, o Benfeitor dos Vedas”
जय श्री शंकर
Grato prof Luciano!
Harih Om!!
Om Sri gurubhyo namah
Muito bom! Grato por compartilhar!
Gratidão por artigo tão claro e esclarecedor. Amei
Muito bom conhecer os mestres que nos passam essa tradição tão perfeita. Professor Luciano, namaskaram.